O Criado do Pastor é uma proposta de reatamento com o relato etnográfico. Ele interpreta momentos da vida cotidiana serrana para tratar de temas relacionados com a pastorícia e o ambiente. Através das páginas, caminhamos por lugares carregados de História e estórias, num ciclo perpétuo de fabricação de paisagens e identidades. A caminhada constitui o mundo da vida pastoril; ela tece a teia que une humanos, animais e natureza. Assim, a leitura nos conecta com desafios ambientais globais, a partir do viver local, por uma ponte entre a antropologia e a ecologia.

O Criado do Pastor tenciona oferecer um compósito de ciência e consciência. Ele é um apelo à valorização da cultura pastoril no contexto de mobilização mundial para 2026, o Ano Internacional das Pastagens e dos Pastores, tal como declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

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Júlio Sá Rêgo é economista e antropólogo. Filho de pais brasileiros exilados na França, ele cresceu entre Paris e o Rio de Janeiro. Hoje, ele vive em Portugal a trabalhar para a promoção e valorização social da pastorícia serrana através de investigação e intervenções. Doutor em antropologia pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, ele é investigador no CRIA-Centro em Rede de Investigação em Antropologia.

Após alimentar os cães e armado de seu cajado, o pastor perguntou-me se estava pronto para partir. “Sim!”, acenei com soberba certeza quando percebeu que nem cajado eu levava. De fato, quem vai ao monte sem cajado? Mais um turista, deve ter pensado ao abrir uma portinha e estender-me um bastão de caminhada. “Pronto”, disse ele, “agora vamos, os animais têm fome!”

Contornamos a corte, abrimos a porteira do cercado que a envolvia e, logo, o portão do barracão. Saíram de lá duas centenas de cabras bravias, como um batalhão quase ordenado marchando para o front. Os cães juntaram-se a nós e partimos para o monte. Caminhamos catorze quilômetros, em pouco mais de nove horas, até o sol se pôr.